segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Crítica Literária - O Irmão Alemão (Chico Buarque - 2014 - 230 páginas - Editora Companhia das Letras)



Bem escrito, repleto de remissões literárias, artísticas e históricas, Chico deixa transparecer “de onde veio”. Sua formação cultural e intelectual transparece a cada página. O texto faz a mente leitora viajar por uma São Paulo cosmopolita pré e intra regime militar, repleta de estrangeiros, com mulheres modernas e sexualmente emancipadas, de boemia e atmosfera leve que pesa gradativamente com o advento da ditadura e suas consequências na vida dos personagens.


A obra tem muitos pontos positivos, porém tantos outros negativos.


O livro apresenta-se, em primeiro momento como uma mistura de ficção e obra biográfica do autor e de seu renomado pai. Mas, logo se mostra muito mais ficção do que realidade.


A começar pelo irmão, Mimmo. Este irmão não existe. Dos reais o Chico não trouxe nenhum, muito menos alguma de suas 4 irmãs. O que existe de real, concernente à família do autor, é Sergio, seu pai, e ele, o próprio Chico. E, claro, o irmão alemão. Nem mesmo sua mãe, a quem chama no livro pelo nome fictício de Assunta, é real.


De tais figuras cabe tecer alguns pontos negativos na narrativa: Sérgio Buarque se apresenta mais como um imperador num gabinete a quem não se deve incomodar do que um pai de família. Ele, basicamente, fuma, lê e chama o tempo todo por sua “bibliotecária e serva particular”, a esposa. Pouco fala, senão com o irmão maior, mesmo assim porque o autor relata isso;

A mãe é a caricatura de uma italiana dona de casa, de emoções nada fleumáticas, o tipo “mama mia!” e que em nada lembra a real Maria Amélia, a qual, da pouca biografia que sei, de “Amélia” só tinha o nome, porque uma intelectual engajada, mulher moderna, que junto com o marido idealizou e participou da fundação do PT. Porém, na trama, não é mais do que uma espécie de bibliotecária amadora que cozinha e tudo ajeita para a família. A tutora de toda a família, cuja configuração não é diferente da tradicional família brasileira do início de século XX;

Mimmo, o irmão fictício, é um rival sexual do autor, descrito, a generosas pitadas de inveja, como um mulherengo canastrão e insensível à caça de virgens e por quem não tinha muita afeição.  


Toda a história gira em torno da casa paterna. As paredes feitas de livros os quais o autor silenciosamente investiga e conhece; e o pai sempre recluso no escritório, mergulhado em suas leituras e escritas. 


Situações subjetivas aparecem insondáveis quanto ao seu aspecto real: A relação do autor com o pai, cuja impressão no leitor é que essa é quase inexistente e bem distante, sendo uma constante o interesse do autor em fazer-se notado, aproximar-se. Por outro lado, o irmão mais velho possui essa relação próxima, de filho amigo, confidente, solícito, embora intelectualmente e literariamente menos formado e capaz do que o autor (talvez aí a inveja latente), enquanto ele é um admirador dos livros do pai e deste como um intelectual de renome. 

O autor é também impetuoso linguista que fala perfeitamente o alemão e francês, talvez, novamente, para chamar a atenção do pai. Sensível à poesia, à literatura, às artes e sempre apegado emocionalmente às mulheres de sua vida.  


De modo geral a dinâmica do discurso é boa. Exceto pelo excesso de divagações no futuro do pretérito que não se resume ao assunto irmão alemão. Neste caso, compreensível, já que o autor quer denotar sua ansiedade e angústia em saber de tal irmão e dos desfechos de sua vida, recolhendo e farejando pistas. O problema é que em todo assunto há essa tendência em divagar longamente pelo futuro do pretérito, o que torna o texto pastoso e às vezes repetitivo.


Num certo momento, quando amigos e até seu próprio irmão são vitimas da repressão, o discurso patinha e perde o ritmo. Analogias, ainda que pertinentes com a Alemanha nazista, se repetem. Boa parte a “meio” do livro é dedicado ao sumiço de Mimmo, do vizinho Ariosto e à decadência silenciosa dos pais que nenhuma via sacra fizeram para saber do paradeiro do filho. Algo muito improvável sendo este personagem filho do prestigiado Sergio Buarque que conhecemos. Ele nada fez senão definhar sentado com livros no colo e cigarros na mão dentro do escritório de qual nunca saía.


O “voo” do discurso é retomado quando Chico finalmente viaja para a Alemanha atrás do irmão pelo qual angustiaste toda a obra. Um voo curto tal qual pato doméstico. Em um ou dois capítulos curtos a aventura na Alemanha se resolve. 


A impressão foi, inevitavelmente, a de um roteiro novelista. Um início empolgante, um meio que por vezes patinha e uma solução rápida da trama no último capítulo.

É excelente leitura, porém suponho que melhor teria sido antecipar a viagem  para  a  Alemanha e  lá desenvolver melhor   a  aventura   na procura   do   irmão.  Ainda  assim  há  um  final  emocionante,  com imagens  verídicas   de Sergio Ernst, seu  irmão alemão,  anexadas ao livro.

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